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A Trincheira Simbólica contra o Estado de Exceção

Fonte das fotos: https://www.ufmg.br/online/arquivos/005910.shtml
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/conducao-ilegal-do-reitor-da-ufmg-lei-do-abuso-de-autoridade-ja-por-wadih-damous/
O General João Figueiredo foi o responsável por sujar de tinta e limpar o sangue do papel que portava a lei n° 6.683, que anistiava todos que cometeram crimes políticos e eleitorais e funcionários públicos no descumprimento das leis entre setembro de 1961 e agosto de 1979.
Fruto de forte pressão popular, como resultado, trouxe de volta ao Brasil exilados políticos, entre eles artistas e políticos. Uma onda de otimismo e esperança encheram as ruas e deu força para movimento das eleições diretas. O “Bêbado e o Equilibrista” de Aldir Blanc e João Bosco na voz de Elis Regina marcou uma época e virou hino da abertura política.

Quem poderia imaginar que a lei da Anistia, a despeito de seu valor simbólico, alimentou o parasita fascista no seio da democracia e criou escola. Centenas de presos políticos contrários ao regime militar, cumpriram suas penas integralmente mesmo após a vigência da lei por crimes imputados pela justiça dos generais, acusados de terrorismo e mortes, sem possibilidade de recurso. Quanto aos agentes da repressão estatal, ficaram impunes pela mesma lei dos crimes de sequestro, estupro, tortura, assassinato, terrorismo e ocultação de cadáveres.

Que tipo de exemplo você sinaliza a jovens que acompanharam a abertura política, a constituinte de 1988, a primeira eleição e toda a história política até o golpe de 2016 com os generais criminosos e torturadores do DOI-CODI gozando de liberdade, curtindo sua aposentadoria com total liberdade, enquanto famílias das vítimas tentam se recuperar após serem destroçadas pelas mãos de ferro do estado fascista. Ainda que o estado posteriormente tenha indenizado filhos, esposas ou mães, recuperado aposentadorias das antigas funções públicas ou o mero reconhecimento público de crimes dos agentes da repressão de estado pela comissão da verdade, nada disso foi capaz dissipar a materialização do ideal opressor incentivado pelo valor simbólico de sua história.
Hordas de mancebos de gerações alienadas, movidos pelo estigma individualista do ideal propugnado pelo “American way of life” e que hoje ocupam cargos públicos no ministério público, polícia federal e justiça federal são candidatos ideais a herdarem o fenótipo fascista, moldado pelo eloquente simbolismo que a impunidade de seus antecessores alforriados. Eles só precisam de um pouco de ódio para florescerem.

Sob a batuta do mercado, o golpe de 2016 que serve de terra prometida para as novas oportunidades, criam-se também novas demandas para tais mercenários dispostos a polir o ódio e alimentar o ego. Se a fome por petróleo, energia elétrica e água potável é tão implacável quanto a fome de uma tempestade de gafanhotos, porque ignoraríamos o grande potencial econômico que a educação é capaz de oferecer para um país com mais de 50 milhões de estudantes, 8 milhões dos quais, estudantes do ensino superior. Seria plausível desconfiar dos recentes ataques policiais-midiáticos à universidades federais como a UFSC e UFMG? Porque ignorar o poder letal da desmoralização pública de instituições respeitáveis e com grandes orçamentos?

Sem sombra de dúvida as universidades e as escolas agregam uma resistência ao golpe de estado, como foi com os "Ocupa Escola" de 2016.  Já no golpe de 1964, a repressão voltou seu olhar para as universidades, celeiro de "subversivos" como eram chamados pelos colaboracionistas e golpistas.
Independente do mérito das respectivas investigações, impossível justificar missões policiais com mais de cem agentes públicos compostos por políciais federais e auditores federais nas duas universidades e que despenderam gastos astronômicos. O que justificaria passar por cima da lei e sequestrar o reitor Cau Cancelier e mantê-lo em cárcere? O que justificaria a condução coercitiva do reitor e vice-reitora, ex-reitor e ex-vice-reitora da UFMG sem terem sido intimados anteriormente?

A “guerra contra o terror” de George W. Bush geraram as leis patrióticas no pós onze de setembro para aplacar a ameaça do oriente médio e que tiraram a liberdade de milhares de muçulmanos sem julgamento. Criou-se um precedente para o Estado de Exceção para justificar a “liberdade” dos cidadãos estadounidenses. Seria a “guerra contra a corrupção” uma cópia mal feita para justificar o retorno à estabilidade das elites e o domínio da senzala? Hoje é fato consumado que os desastres das missões no Afeganistão e Iraque escondiam interesses privados de grandes corporações. Porque aqui no Brasil a guerra contra a corrupção seria diferente? Interesses poderiam acobertar tais operações? É preciso que Brasil tome providências urgentemente contra o avanço do Estado de Exceção e abusos de autoridades. Não bastou o precedente do reitor Cancellier?

Sobre o nome da operação na UFMG “Esperança Equilibrista” envolvendo o memorial da Anistia, não há ironia, que melhor forma de transformar simbolicamente os sonhos revolucionários que atingi-los diretamente. Não é de hoje que as apropriações culturais deformam o simbolismo original, mas “O Bêbado e o Equilibrista” é maior do que qualquer ameaça fascista e nunca deixará de ser hino.


Chico Caprario
Estudante UFSC


Maquete do Memorial da Anistia em Belo Horizonte

Fonte da Foto:
http://www.hsmaquetes.com.br/portfolio/memorial-da-anistia/memorial-anistia-01/

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